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Judiciário mantém decisão arbitral em 68% das apelações

Uma pesquisa realizada pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) revelou que, entre 2018 e 2023, o Poder Judiciário manteve 68% das decisões em arbitragem nos recursos contra ações anulatórias de sentenças arbitrais no Brasil. Em 13% dos casos, a sentença foi completamente anulada, enquanto 7% resultaram em anulação parcial. Além disso, em 10% dos processos, o Judiciário adotou outras medidas alternativas.
O estudo, anunciado em abril de 2024 durante um seminário sobre “Arbitragem e Judiciário”, foi conduzido pela FGV Justiça em parceria com a FGV Rio. Os dados foram coletados pela plataforma Jusbrasil, com base em decisões dos tribunais estaduais e do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entre 2018 e 2023. A pesquisa destacou a importância da arbitragem na atração de investimentos e a necessidade de mudanças na legislação, com o objetivo de identificar áreas a serem aprimoradas e discutir possíveis melhorias com especialistas no Brasil.
Foram analisadas 358 apelações e 32 recursos especiais. Nos tribunais de segunda instância, a taxa de sucesso das ações anulatórias foi de 22,6%. No Superior Tribunal de Justiça (STJ), apenas 9,4% dessas ações resultaram em vitória para as partes que recorreram. Entre os tribunais estaduais, o Tribunal de Justiça de Goiás liderou em número de apelações com uma taxa de sucesso de 15,6%, seguido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, com uma taxa de procedência de 34,5%. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro não registrou anulação de sentença arbitral em suas apelações.
A principal justificativa para a anulação de sentenças arbitrais está relacionada à alegação de falta de imparcialidade e ausência de livre convencimento dos árbitros, além de decisões que ultrapassam os limites da convenção de arbitragem ou violam os princípios do contraditório e da igualdade entre as partes.
Os dados do Observatório da Arbitragem, iniciativa coordenada pelo Comitê Brasileiro de Arbitragem (CBAr) e pela Associação Brasileira de Jurimetria (ABJ), confirmam as conclusões da pesquisa da FGV. O levantamento, divulgado em novembro de 2023, indicou que a probabilidade de uma sentença arbitral ser anulada pelo Judiciário é de apenas 1,5%. A análise incluiu 289 ações não sigilosas, julgadas pelas varas especializadas em Direito Empresarial e Arbitragem da comarca de São Paulo, entre março de 2018 e novembro de 2022.
A pesquisa sugere que, quando o Judiciário é acionado, sua atuação tem sido mais no sentido de apoiar a arbitragem do que de controlá-la. As anulações de sentenças arbitrais são descritas como eventos extremamente raros. Foi destacado que a relação entre o Judiciário e a arbitragem é positiva e equilibrada, com o Judiciário desempenhando um papel importante na preservação da eficácia da arbitragem.
O tema das anulações de sentenças arbitrais, embora sempre considerado raro pela comunidade arbitral, tem ganhado crescente destaque em artigos, palestras e debates, gerando preocupações entre investidores que buscam um ambiente seguro para arbitragens. Esse assunto está se tornando cada vez mais relevante ao se escolher uma sede de arbitragem, com foco na segurança jurídica.
A pesquisa “Arbitragem em Números”, realizada por uma advogada e professora, revelou que, entre 2021 e 2022, as impugnações a árbitros representaram menos de 5% do total de arbitragens processadas. Quando consideradas apenas as impugnações aceitas, esse número caiu para menos de 1%. O estudo, baseado em dados das oito principais câmaras de arbitragem do Brasil, destaca a eficácia da metodologia adotada por essas câmaras na análise das impugnações, enfatizando a importância da qualidade das decisões nesse processo.
O levantamento também revelou que, em 2021, foram registrados 35 pedidos de impugnação em 1.047 arbitragens em andamento, dos quais apenas sete foram aceitos. Em 2022, o número de pedidos aumentou para 52, em um total de 1.116 arbitragens, com 11 impugnações acolhidas. Apesar de o tema ser frequentemente discutido no âmbito do Poder Judiciário, o estudo mostra que a quantidade de impugnações é ainda bastante reduzida.
O estudo explica que, após perderem a causa, algumas partes tentam anular a sentença arbitral com base em supostas falhas no dever de revelação dos árbitros. No entanto, é essencial afastar argumentos subjetivos e alegações infundadas. As causas aceitas para a impugnação de árbitros geralmente envolvem conflitos de interesse ou dependência econômica em relação a uma das partes ou seus advogados. A análise das impugnações deve se basear não apenas na falha de revelação, mas também no motivo não revelado.
Atualmente, tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 3.293/2021, que propõe mudanças na Lei 9.307/1996, com o objetivo de regular de forma mais rigorosa a atuação dos árbitros, reforçar o dever de revelação, estabelecer a divulgação de informações após o encerramento do procedimento arbitral e garantir maior transparência nas ações anulatórias. A proposta inclui a alteração do critério de revelação dos árbitros, que deverão informar qualquer fato que gere uma “dúvida mínima” sobre sua imparcialidade, substituindo a exigência atual de uma “dúvida justificada”.
Além disso, tramita no Supremo Tribunal Federal a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 1.050), que visa estabelecer critérios mais claros sobre o dever de revelação dos árbitros.
Em artigo publicado, um especialista alertou que as novas medidas propostas podem modificar significativamente a Lei de Arbitragem. Embora apresentadas como “aprimoramentos”, ele argumenta que essas mudanças podem ameaçar a autonomia do sistema arbitral, ao desafiar a flexibilidade dos mecanismos legais que garantem a confiança das partes nos árbitros.
Para melhorar a transparência e segurança no processo arbitral, o Comitê Brasileiro de Arbitragem (CBAr) publicou diretrizes sobre o dever de revelação. Essas orientações têm como objetivo uniformizar os entendimentos e guiar a conduta de árbitros, partes, advogados, câmaras e juízes, com base na legislação brasileira e nas práticas internacionais.
Especialistas têm ressaltado que o Brasil se tornou uma referência global no campo da arbitragem. Esse reconhecimento foi discutido na Conferência Latino-Americana de Arbitragem (CLA), realizada em junho de 2024, no Rio de Janeiro. Uma das especialistas presentes comentou que, ao longo das últimas quatro décadas, observou uma notável expansão da arbitragem no Brasil, com aumento no número de procedimentos, valores envolvidos, profissionais, instituições e apoio do Judiciário.
Entre os desafios enfrentados pelo setor, foi mencionada a necessidade de adaptação contínua às demandas do mercado. Embora a Lei de Arbitragem seja uma legislação padrão, são os regulamentos das câmaras que se ajustam para aprimorar a prática cotidiana da arbitragem. Também foi alertado que o Brasil precisa se manter alinhado às práticas internacionais, pois a criação de uma legislação incompatível com normas globais poderia afastar partes estrangeiras e prejudicar a confiança nas arbitragens realizadas no país.”
A arbitragem no Brasil tem se consolidado como um meio eficiente de resolução de disputas, com o Judiciário adotando uma postura de apoio e mantendo as anulações de sentenças em níveis baixos. No entanto, as propostas de mudanças na legislação e os debates sobre a transparência no processo arbitral mostram a necessidade de aprimorar o sistema, garantindo maior segurança jurídica e alinhamento com práticas internacionais. O Brasil, reconhecido globalmente pela sua atuação em arbitragem, deve continuar adaptando suas leis e regulamentos para atender às demandas do mercado, sem comprometer os princípios fundamentais da arbitragem, como a imparcialidade e a autonomia das partes.