Juízes estão mais exigentes na análise de pedidos de recuperação
Juízes da primeira instância estão mais exigentes nas análises dos pedidos de recuperação judicial. Eles têm determinado a realização de perícia nos documentos e balanços apresentados, além de visitas à sede da empresa, antes de decidir se aceitam o pedido. O objetivo, segundo consta nos processos, é avaliar se a companhia tem chances de recuperação ou se busca somente postergar as dívidas.
Há decisões nesse sentido em São Paulo e no Rio de Janeiro. Em um caso recente, o magistrado nomeou um perito para analisar, além dos documentos apresentados nos autos, livros empresariais localizados na sede da empresa. Num outro, o juiz determinou que fosse feita também uma avaliação dos valores submetidos aos efeitos da trava bancária (garantias oferecidas aos bancos na obtenção de empréstimos).
Especialistas afirmam que a prática começou a ser usada com frequência pela 1ª Vara de Recuperação Judicial e Falências da capital paulista e ganhou força, no fim do ano passado, em outras comarcas. Antes, destacam, o mais comum era que os juízes verificassem somente o preenchimento dos requisitos básicos e se a documentação exigida pelo artigo 51 da Lei de Recuperação Judicial e Falências (nº 11.101, de 2005) foi apresentada.
Advogados se dividem sobre o tema. O principal argumento dos especialistas que se posicionam contra a perícia é que a análise de viabilidade da empresa só poderia ser tratada no plano de recuperação judicial.
Há divergências também entre tribunais. No Rio de Janeiro, por exemplo, uma empresa do setor de alimentos conseguiu reverter a determinação do juiz da primeira instância. A 22ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça (TJ-RJ) afastou a necessidade de perícia. Os desembargadores aceitaram o argumento da empresa, de que o artigo 52 da Lei nº 11.101 “não prevê nenhum ato ou fase prévia para o deferimento da medida protetiva, bastando a apresentação dos documentos na forma como dispõe do artigo 51”.
Já em um outro caso, levado à 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), os desembargadores decidiram manter a perícia que havia sido determinada na primeira instância. Relator do caso, o desembargador Teixeira Leite afirma, no acórdão, que o Judiciário não deve figurar como “mero agente chancelador” de todo e qualquer pedido de recuperação que lhe é apresentado.
Disse ainda não se tratar de “ativismo judicial, tampouco de usurpação das atribuições próprias dos credores”, mas de zelar para que pedidos infundados de recuperação tenham o seu processamento autorizado.
O caso em questão também envolvia uma empresa do setor de alimentos, que teve indeferido o pedido de recuperação após a perícia prévia determinada pelo juiz de primeira instância.
Para o advogado Luciano de Souza Godoy, sócio do PVG Advogados, as perícias têm sido adotadas pelos juízes como procedimentos excepcionais, nos casos em que não chegam à conclusão de que os documentos apresentados são suficientes para indicar as chances de recuperação.
“Está na esfera de atuação do juiz”, diz Godoy. “O devedor tem que mostrar já naquele momento do pedido que a empresa é produtiva, que têm clientes e fornecedores. Existem empresas que chegam para a recuperação completamente deterioradas.”
Já o advogado Julio Mandel, do escritório que leva o seu nome, entende que as perícias prévias podem fragilizar empresas em crise financeira. Segundo ele, com uma análise mais aprofundada da situação, há uma maior demora para o deferimento do pedido de recuperação. O especialista afirma ter acompanhado casos em que as perícias levaram mais de quatro meses para serem concluídas, enquanto as decisões deveriam se dar em 24 ou 48 horas. “Uma empresa pode ir à falência por uma simples demora”, afirma.
Para o especialista, o despacho do deferimento deve ser urgente. É a partir da decisão do juiz que começam a contar os prazos do processo e ficam suspensas, por um período de 180 dias, todas as cobranças e atos de constrição, como arresto, penhora e o sequestro de bens.
Mandel considera correto o juiz nomear um perito para analisar se a documentação foi entregue pela empresa devedora conforme previsto no artigo 51 da lei. Mas critica o magistrado entrar no mérito da viabilidade. Para ele, essa análise deve ser feita pelos credores. “Senão vira um retrocesso. Lembra a época da concordata, em que o juiz era quem decidia se era viável ou não.”
Especialista na área, Juliana Bumachar, sócia do Bumachar Advogados Associados, acredita que essas perícias tenham surgido por dois motivos: amadurecimento da lei e alto número de pedidos de recuperação. Dados divulgados pela Boa Vista SCPC no começo do mês mostram aumento de 165,7% do número de pedidos nos três primeiros meses de 2016 – na comparação com o mesmo período de 2015.
Para a advogada, há um movimento que ela chama de “análise mercadológica”, para certificar que a empresa está dentro do seu segmento, gerando receita e se tem condições de se reerguer com a recuperação. Ela critica, no entanto, perícias que tratem da viabilidade econômico-financeira da empresa. “Não podem ultrapassar o limite do que vai ser deliberado no plano de recuperação, lá na frente”, afirma.
Ela destaca ainda que, nos casos de análise da trava bancária, pode haver benefícios às empresas. Principalmente no Rio de Janeiro, onde o tribunal tem jurisprudência favorável à liberação – no TJ-SP não há decisões nesse sentido. “Neste caso das travas, a análise preliminar é fundamental. Não dá para deliberar uma liberação de recebíveis que foi dada ao banco de forma aleatória.”
Fonte: Valor Econômico