Polêmicas sobre exclusão do ICMS da base do PIS/Cofins
Ao que tudo indica, está longe de acabar a discussão no Judiciário para reconhecimento da exclusão do ICMS das bases de cálculo do PIS e da Cofins, e o momento da tributação desses créditos pelo IRPJ e CSLL.
Dentre os eventos relevantes, destacam-se o trânsito em julgado da ação judicial individual proposta pelo contribuinte; a efetiva mensuração dos créditos pelo contribuinte e o reconhecimento contábil dos valores a recuperar como ativo, em contrapartida à receita; a habilitação dos créditos perante a Receita Federal do Brasil (RFB) como condição para realizar sua compensação; a efetiva compensação dos créditos com outros tributos federais, nos termos regulados pela RFB; e a homologação da compensação pela RFB.
Outro dos eventos passíveis de configurar o fato gerador do IRPJ e CSLL é o trânsito em julgado da decisão que reconhece o direito de crédito do contribuinte. Embora o contribuinte tenha, com a sentença transitada em julgado, direito absoluto e incondicional ao crédito, na maioria dos casos não há, naquele momento, a quantificação do direito que foi reconhecido.
A incidência do IRPJ e da CSLL pressupõe, na prática, o direito do contribuinte de dispor livremente do valor dos créditos, sem depender de ato de terceiro. Assim, há quem diga que o mero reconhecimento do direito de crédito ora tratado não assegura essa disponibilidade, já que representa apenas o direito de exigir do devedor a disponibilização do rendimento.
Além disso, é fato que as decisões transitadas em julgado nos mandados de segurança impetrados pelos contribuintes visando à exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins são ilíquidas (não fixam o valor a recuperar). Isso implica que, para fins de registro contábil do valor dos créditos, sua liquidez seja apurada, algo que normalmente é feito de forma unilateral pelo contribuinte com base nas melhores estimativas, conforme dispõem as normas contábeis.
Apesar de a RFB já ter manifestado o entendimento de que é no momento do trânsito em julgado da sentença judicial que os créditos passam a ser receitas tributáveis de IRPJ e CSLL (soluções de consulta nº 106/10, 232/07 e 233/07), não há indicação clara se as decisões objeto de análise em tais consultas eram líquidas ou ilíquidas, isto é, se as sentenças transitadas em julgado já quantificavam o montante dos créditos.
Sob outra ótica, defende-se que o trânsito em julgado de sentença ilíquida não é o momento adequado para a incidência de IRPJ e CSLL, pois em muitos casos a parte sequer definiu se vai seguir com a restituição via compensação ou por precatório. Mas é importante ressaltar que a jurisprudência afirma que é direito do contribuinte optar por uma outra forma (Súmula 461 do STJ).
Se a compensação administrativa for a opção escolhida, é preciso habilitar os créditos na RFB, conforme os procedimentos regulados pela Instrução Normativa nº 1.717/17. No contexto da habilitação, o fisco não se manifesta sobre o crédito foi mensurado pelo contribuinte. Mesmo com o deferimento do pedido de habilitação pelo fisco, não há qualquer anuência sobre o valor do crédito (art. 101, parágrafo único da IN 1.717). Nessa linha, é possível argumentar que esse ato unilateral em relação ao quantum devido não deveria ter o condão de tornar líquida a sentença transitada em julgado. Da forma como está prevista na norma, a habilitação mais se aproxima de um procedimento formal prévio de checagem, equivalente à verificação das condições da ação, sem nenhum exame de mérito.
A RFB tem apresentado vários óbices para restituir os créditos decorrentes do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins aos contribuintes, como a limitação do valor do ICMS a ser excluído ao efetivamente pago (e não o destacado nas notas fiscais) e a pretensão de limitar o entendimento firmado pelo STF aos períodos anteriores à Lei nº 12.973/14. A recém publicada Instrução Normativa 1.911/19 é mais um exemplo disso. Assim, há fundamentos para se afirmar que os valores ainda sujeitos a questionamento pelo fisco não são líquidos e representativos de acréscimos patrimoniais.
Outra linha interpretativa é a de que o IRPJ e a CSLL só incidiriam quando o contribuinte efetivamente realiza as compensações (transmissão do PER/DCOMP), momento em que ele faz uso dos créditos a que entende ter direito. São dois os fundamentos dessa linha de pensamento: a opção feita pelo contribuinte quanto à utilização do crédito pela via da compensação e as características inerentes ao crédito tributário, cujo poder liberatório é limitado por lei (tais créditos só podem ser utilizados para compensação com débitos relativos a tributos federais).
Apenas quando o contribuinte é, ao mesmo tempo, credor e devedor de obrigações perante um mesmo ente (no caso, a Fazenda Nacional), o direito à compensação existe. Nos autos da Solução de Consulta nº 206/03, a RFB até mesmo já expôs o entendimento de que a disponibilidade jurídica e econômica ocorre quando o contribuinte efetivamente recebe o crédito tributário e, no caso de compensação, quando ela é efetivamente implementada.
Mesmo que a própria Lei nº 9.430/96 determine que a Declaração de Compensação equivale ao pagamento, sujeita à condição resolutória, há quem siga o entendimento de que a liquidez do crédito tributário ocorre somente no momento da homologação da compensação pela RFB – para fins de caracterização da disponibilidade jurídica ou econômica da renda como fato gerador do IRPJ e da CSLL.
Essa é a hipótese mais desejada pelos contribuintes e menos desejada pelo fisco, pois implica no recolhimento do tributo de forma mais distante do trânsito em julgado.
Fonte: Valor