Portaria da Receita lista punições a devedores
A Receita Federal publicou na sexta-feira uma norma que promove, segundo advogados, uma verdadeira “caça às bruxas” a contribuintes que discutem dívidas na esfera administrativa, a partir de R$ 10 milhões, não incluídas em parcelamentos ou questionadas judicialmente. A Portaria nº 1.265 elenca um total de 25 penalidades que o contribuinte poderá sofrer se não regularizar sua situação quando intimado pelo Fisco.
Entre as medidas possíveis estão a representação fiscal com finalidade criminal – antes do fim do processo administrativo, a exclusão de parcelamentos já existentes, a comunicação a bancos para que não liberem mais créditos ou financiamentos, assim como a comunicação às respectivas agências reguladoras para que seja revogada autorização para o exercício da atividade. A punições, consideradas exageradas por tributaristas, devem gerar diversas ações judiciais, se colocadas em prática.
Na avaliação do advogado Paulo Sigaud, do escritório Mattos, Muriel, Kestener Advogados, apesar de muitas previsões já serem utilizadas pela Receita Federal, a portaria que as reúne “dá a impressão de que a Receita quer praticar terrorismo fiscal para pressionar os contribuintes a pagar suas dívidas”.
De acordo com Sigaud, a conduta firme contra os contribuintes, ocorre “em um péssimo momento em que as empresas estão sofrendo com juros altos, inflação e a ainda situação econômica desfavorável”. O advogado afirma que a portaria causou estranheza no mercado. “Parece uma medida de confronto com o contribuinte, em um momento que deveria ser de mais entendimento em relação ao pagamento de impostos”, afirma.
De acordo com o advogado Marcelo Bolognese, trata-se de “uma verdadeira caça às bruxas para cobrar as dívidas que são discutidas pelas companhias”. Para ele, a norma “está demonstrando um total desespero do Poder Executivo em arrecadar”.
As sanções, se colocadas realmente em prática pelo órgão, devem gerar novas demandas na Justiça. Um dos pontos que podem levar a um questionamento judicial é a exclusão do contribuinte do Programa de Recuperação Fiscal (Refis), Parcelamento Especial (PAES) ou Parcelamento Excepcional (Paex).
De acordo com Bolognese, as leis que regem os parcelamentos têm uma série de requisitos para a exclusão do contribuinte, entre eles o não pagamento consecutivo das parcelas por três meses ou o não recolhimento alternado por seis meses. As normas, contudo, não trazem a previsão, incluída na portaria, de que o contribuinte não poderá ter outra dívida e discuti-la no âmbito administrativo. “A portaria não pode legislar e impor algo não previsto em lei”, afirma.
A previsão relativa à comunicação às respectivas agências reguladoras para a revogação de autorização do exercício de atividade também deve ser questionada, de acordo com Bolognese. Já existe um posicionamento consolidado do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a questão. A Súmula nº 70 da Corte considera “inadmissível a interdição de estabelecimento como meio coercitivo para cobrança de tributo”.
A possibilidade de representação fiscal penal antes do fim do processo administrativo, além de gerar grande dor de cabeça para executivos das companhias, também deve levar as empresas ao Judiciário. “São medidas muito drásticas, uma sanção criminal de fato só poderia existir quando há características de dolo ou fraude, o que não é caso de quem apenas discute uma dívida”, diz Bolognese.
Nesse caso, o argumento que poderá ser utilizado pelos contribuintes é a própria jurisprudência do Supremo sobre o tema. Em 2003, o pleno da Corte julgou por maioria de votos que o Ministério Público só pode oferecer denúncia por crime tributário após o término da defesa administrativa do contribuinte contra a autuação fiscal. Desde então, o precedente e outros julgados que surgiram posteriormente têm sido apresentados pelas companhias em ações para a defesa de sócios e executivos que foram chamados a responder processos penais por débitos que ainda são discutidos nos tribunais administrativos.
Já a previsão da norma que trata do arrolamento de bens também é criticada. Segundo os advogados Carolina Rota e Fernando Mourão, do escritório Braga & Moreno Advogados, apesar de o arrolamento não impedir a venda de bens, apenas o fato de existir a inscrição do arrolamento do bem de um sócio e diretor já dificulta a sua venda e diminui o seu valor no mercado. “Isso tem sido um transtorno para as pessoas físicas”, afirma Mourão. Para o advogado, a rigidez da Receita “tem sido proposital para que as empresas efetuem pagamentos de débitos que deveriam discutir”.
A aplicação dessa portaria é ainda mais preocupante, avalia a advogada Carolina Moura, porque a Receita Federal nem sempre tem os dados sobre as dívidas de contribuintes atualizados. De acordo com a advogada, existem companhias que aderiram à reabertura do último Refis, por exemplo, mas a opção ainda não está registrada no sistema do Fisco. “Essas companhias podem sofrer sanções sem sequer terem motivos para isso”, diz.
A Receita Federal informou por nota que “todas as medidas previstas na portaria estão previstas em lei, não havendo, portanto, qualquer espécie de abuso na norma”. (Colaborou Edna Simões, de Brasília)
Por Adriana Aguiar, de São Paulo (SP)
Fonte: Valor Econômico